sexta-feira, 23 de março de 2018

A minha eterna luta




Estou como já disse em outro texto com uma exaustão mental, devido a todas as minhas lutas pela vida fora.

Se começarmos pela minha infância, ela foi relativamente normal e saudável até os meus 8/9 anos, que foi quando começou a guerra civil em Angola, onde eu tinha que dormir no chão do rés-do-chão , pois as paredes da casa estavam todas baleadas, onde eu passava por cadáveres a caminho da escola, onde tive o estilhaço de uma granada na perna esquerda, fiquei muda e quando voltei a falar estava gaga.

Tive que deixar o meu país, amigos, ao fugir com refugiada de guerra (eu não sou retornada, pois não estava a voltar, mas sim a imigrar para o país dos meus pais. eu perdi a minha cidadania e as minhas raízes.

Ao chegar cá deparamos-mos com o preconceito com os "Retornados". Como o meu pai já não podia pagar as contas dos jantares, já não tinha amigos e o próprio irmão recusou-se a abrir-lhe a porta numa visita. Mas os meus avós maternos receberam-nos de braços abertos.

Ao fim de seis meses  aqui imigramos (fugimos) para o Brasil, onde vivemos  por 18 anos, dos quais 4 anos com uma irmã do meu pai, que nos explorou. A primeira coisa que ela fez foi despedir a empregada doméstica e eu despedi-me da minha infância. Deixei de ter brinquedos e tempo para brincar.

Além de ir para uma escola onde eu era a diferente, era portuguesa (a burra), tinha PHDA e gaguês (por trauma de guerra). E viva diáriamente o bullying psicológico. Tinha que chegar a casa e arrumar e limpar o apartamento e ajudar a minha mãe, pois além de empregada era costureira privada da minha tia a tempo inteiro.

Ter redações corrigidas por escrever em português de Portugal e não brasileiro. Cheguei a reprovar 3 anos no 6º ano, não me conseguia adaptar e aquela não era a minha terra, o meu país, as minhas gentes. Amigos sós os consegui fazer no secundário e na universidade.

Quando me formei em enfermagem resolvi voltar para Portugal, para o meu país substituto. A minha receção a nível da família foi boa, mas a nível de país e burocracias foi péssima. Estive que estar 6 anos à espera da equivalência, pois o Ministério da saúde tinha deixado de dar equivalências à três meses e as escolas de enfermagem demoraram 6 anos a montar os conselhos científicos.

Foi me inscrever no Centro de emprego onde me deram a equivalência à quarta classe, ano que eu tinha frequentado aqui. Ou seja os empregos que me designavam eram braçais e de baixo nível intelectual. E quando ia a uma entrevista de emprego não conseguia ficar com o emprego, porque afinal tinha conhecimentos a mais. E assim andei seis anos.

Quando me deram a equivalência foi apenas a um bacharelato, apesar de eu ter uma licenciatura e uma especialidade. O meu diploma dizia: Enfermagem e Obstetrícia, mas não podia ser, pois por aqui ainda não havia licenciados em enfermagem e eu não podia ser a 1ª. Fui posteriormente obrigada a fazer mais um ano de enfermagem, para conseguir a equivalência à licenciatura que eu já tinha.

Também tenho problemas na equipa de trabalho, pois não me entendem (a maioria nem tenta), não sabem quem sou, não me conhecem. Eu sou a soma das minhas lutas, das minhas vitórias, dos países onde vivi, ou seja sou e penso muito diferente de todos. E a minha equipa apenas vê isso e me rotulam de "Maluca".

Posteriormente casei-me e nasceram três pimpolhos maravilhosos, o meu orgulho, a minha paixão, mas... eles também eram portadores de PHDA e assim começou a minha maior guerra, a guerra com as escolas e os seus professores. E acreditem que depois de todas as lutas e perdas essa foi a luta que me deitou ao chão. Foi o meu knockout. 

Mas durante 14 anos lutei pelo respeito e integração dos meus filhos, pela sua individualidade e principalmente pela sua felicidade. Ohhh..... eles sofriam imenso na escola, tanto com os professores como com os colegas. Os professores, que devem dar o exemplo, não os respeita, quem segue o seu exemplo também não. E eu fui rotulada mais uma vez, desta como mãe relapsa e negligente

Estou no chão!!!  Acabaram comigo, mas não conseguiram acabar com os meus filhos. Sim eles saíram com muitas cicatrizes, mas saíram inteiros.

Por isso vale a pena estar no chão a lutar para me levantar... 

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