terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

PHDA: Carta à escola e professores do meu filho





Este texto foi retirado do blog Energia a mais, é uma carta escrita por uma mãe à escola do seu filho, é um testemunho do que muitas criança com PHDA e outros problemas enfrentam nas escolas, no seu dia-a-dia. Ao lê-lo pode sentir a dor desta criança, dor essa que também os meus filhos sentiram... ficamos com sentimentos de revolta, tristeza, angustia e muita raiva...

Tenho imenso respeito pelos professores, mas infelizmente nem todos os que dão aulas merecem essa designação...


O Rafa nunca me deixou «descansada» desde o inicio do seu percurso escolar. Quando o tentei matricular pela primeira vez no ensino público, estava ele com idade de frequentar a pré (antes, foi a tortura de ter uma ama e das tormentas por que passei para deixar um bébé de meses entregue a alguém que não sabia lidar com ele) Entre conversas com a educadora e visitas ao estabelecimento onde o matriculei (antes de estar diagnosticado) fiquei com a ideia que tudo iria correr bem - nessa altura achava (como acham os pais estreantes nestas coisas) que os «problemas» de comportamento do Rafa seriam detetados caso fosse uma situação mais grave e que a escola teria mecanismos de apoio e acompanhamento precoce que seriam uma ajuda bem vinda. 
Puro engano - a primeira reação foi desvalorizarem e minimizarem as situações apresentadas, mesmo que elas fossem dificeis de gerir pela própria educadora...mas dar parte de «fracos» isso não! a educadora, conhecedora de muitos casos «problemáticos» (algo que parece ser comum a todos os docentes seja qual for o ano e qual for a escola) e muito sabedora na arte de lidar com meninos «difíceis» achou melhor ignorar todos os sintomas. Vómitos, recusa em comer, birras tremendas, fugas da sala...seriam apenas «fases» que depois de um período de adaptação, passariam e dariam lugar ao gosto de participar nas atividades como qualquer outra criança. Mas «fases» que nunca mais passam podem ser muito desgastantes...e quando as soluções apresentadas não resultam, podemos começar a ver a escola de outro modo...«se o menino se recusa a ficar na sala e a participar é a mãe que tem de o fazer entender que a escola lhe faz bem» isto é uma solução? uma ajuda? «a mãe não pode ficar nervosa quando o vem deixar...tem de o deixar e pronto.» eu? nervosa por o deixar na escola? eu quero que ele fique na escola, eu preciso que ele fique...mas que fique bem!! «é melhor ficar com ele na sala, mãe. Pode ser que assim ele fique mais calmo...» só pode estar a brincar, certo? se querem que seja eu a ficar na sala, mais vale ter o miúdo em casa...até que fica claro ao final do primeiro período que a «fase» é afinal mais complicada do que achavam e que teriam de haver adaptações por parte da escola, coisa que pelos vistos, as escolas nem sempre estão preparadas para fazer...

De estabelecimento público para IPSS pouco mudou na tentativa de me darem soluções. Embora o tenham encaminhado para a psicóloga, na tentativa de normalizarem o comportamento e as atitudes, as estratégias dentro da sala, pouco diferenciavam das usadas para com outros miúdos e após um ano de turbulência, o segundo (e que seria o último antes da entrada no ensino básico) terminou após o periódo de natal.

Entretanto chegou um diagnóstico e com ele muitas alterações em casa. Pais mais confiantes e ajudas com fármacos que melhoravam o comportamento e as reações dele. Mesmo assim, até aos ajustes da medicação atuarem de modo visível e os seus efeitos serem realmente eficazes, houve um primeiro periodo letivo em que tive de ser uma espécie de guardiã do portão da escola e fazia um esforço tremendo para o levar até lá, suficientemente motivado para voltar no dia seguinte. Ajudas? tenho de reconhecer que tive. A iniciativa partiu de mim... «arrisquei» e fui frontal desde o início. Conversei com os responsáveis e falei desta perturbação que lhe tinha sido diagnosticada, falei do modo como agia com ele em casa, das estratégias que considerava serem as mais corretas para que ele superasse as dificuldades inerentes à PHDA. Esclareci recorrendo ao apoio da APDCH e ao médico que o acompanha. Do outro lado? tive uma escola recetiva e uma professora empenhada. Dizem-me outros pais que tive sorte...reconheço que sim! mas nós pais e sobretudo as nossas crianças não podem depender da «sorte». O papel da escola não pode ser desigual, dependendo do estabeleciemnto de ensino ou de quem nele leciona. Existem métodos e estratégias que devem ser adotadas por todos. Para que haja uma igualdade nos critérios e nas exigências. Para que não se esteja dependente da opinião pessoal de quem tem o poder de decidir por que lado a escola vai seguir....

Agora o Rafa frequenta o quinto ano. Depois de um início atribulado com muitas faltas, muitos recados, muitas chamadas à escola, muita conversa minha, muito mostrar relatórios e muitos esclarecimentos, lá atravessamos um período de acalmia. Os resultados nos testes nunca foram o problema. Já mencionei algumas vezes que o Rafa é um menino muito inteligente (até acima da média) e com atributos de memória auditiva e visual apurados (comum em miúdos com esta patologia). Se concentrado, com ajuda da medicação e suficientemente motivado - quer em casa, quer na escola - ele consegue ser excelente aluno! tudo o resto, comportamento, atitude para com os professores e os pares, reação dele às dificuldades, podem ser, com a dose certa de disciplina e elogios, exigência e flexibilidade superadas.

Como coordenadora da APCH estão-me sempre a chegar às mãos casos e casos de falta de entendimento por parte da escola, muitas vezes única e exclusivamente preocupada em resultados, quase sempre entendendo desvalorizar o que os pais tentam fazer passar. Dizer que estes meninos devem ser «integrados» numa escola que pretende ser «inclusiva» é quase sempre sinónimo de uma tentativa de normalizar o que não é de facto «normal» e de ignorar o que realmente importa - as diferenças destas crianças (e de outras com NEE).
E é por isso que decidi, com a devida autorização, publicar uma carta de uma mãe dirigida aos professores do seu filho, mostrando o que sente verdadeiramente alguém que sofre com a PHDA, tantas vezes erroneamente tida como uma perturbação sem significado, uma alteração benigna que para ser alterada depende da força de vontade da criança e da maior imposição de disciplina dos seus pais...e reparem, como sem nos conhecer-mos e sem ter-mos tido qualquer contacto antes, o que esta mãe revela na carta, vem ao encontro do que atrás descrevi.
Não importa o nome nem a escola, agradeço no entanto à D. pela disponibilidade e pela sua luta

«Carta à escola e professores do meu filho, A.(...)

Estou desiludida, triste e magoada com a forma como alguns professores têm tratado o meu filho dentro da escola.
Sempre fui defensora dos professores, afinal são eles que nos ensinam a ser adultos, que ensinam os futuros políticos, engenheiros, doutores, carpinteiros, electricistas e todas essas profissões tão dignas que farão com que o nosso mundo funcione e melhor…
Eu tive professores assim, que me faziam sentir feliz e segura dentro da escola, que me motivavam e elogiavam, que salientavam os meus pontos positivos e ajudavam a aceitar e ultrapassar os negativos…
Que tinham como objectivo a inclusão, o respeito mútuo mas acima de tudo o amor pelo ensino e pelos seus alunos, o prazer de ensinar e a capacidade de fazer a diferença.
Quando o meu filho iniciou a vida escolar fiquei feliz, ele sempre foi um menino inteligente e perspicaz…muito activo, é verdade, mas sempre com resultados excelentes…talvez porque também teve o privilégio e a sorte de ter professores excelentes!
Sempre senti que havia algo de diferente com o André, nunca o escondi e várias vezes pedi ajuda à escola e aos professores para estarem atentos e verem se viam o mesmo que eu, tanto é que o André teve a sua primeira avaliação psicológica na escola aos 8 anos e a partir daí nunca mais deixei de tentar “descobrir” o que se passava com o meu filho!
Desde que iniciou o segundo ciclo tudo se complicou…passou a ser mais ansioso, desorganizado e desmotivado, auto-estima baixa, crises de choro, acompanhadas muitas vezes de cólicas, vómitos e até diarreia!
Na minha inocência de mãe, achava que eram apenas desculpas para não ir à escola e sempre, repito : SEMPRE o obriguei a ir à escola, mesmo quando ele me liga da casa de banho da escola a chorar e a implorar: “ Mãe, por favor tira-me daqui, tu não sabes o que seu sofro!” – nunca o fui buscar e, apesar de ficar arrasada por dentro e com o meu coração apertado, sempre o obrigo a ir à aula e lhe desligo o telefone…
Agora dou por mim a pensar que contribuí para isto tudo, que não protegi devidamente o meu filho!
Outras mães teriam ido imediatamente à escola, discutiam com os professores e protegiam os seus filhos…eu não, limitei-me a acreditar que ele era o culpado de tudo – pois a verdade é que ele não consegue mesmo estar quieto e assumo que se me faz perder a mim a cabeça, melhor fará perder a cabeça de quem não o “pariu” como eu e não o ama como eu, de quem não se habituou já a ser mais tolerante como eu…venceu-me pelo cansaço…admito…
Tantos recados na caderneta, tantas queixas do A., SEMPRE O A.
Eu própria acabei por permitir que o rotulassem…porque não gritei, não briguei, não o defendi, não exigi!
Mas eu não sabia tudo, ele não me conta, podem não acreditar, mas como ele acha que eu estou sempre “do lado dos professores”, deixou de me contar…e como a primeira vez que eu reclamei em relação ao Senhor Professor de Música, ele ainda foi mais penalizado, humilhado e maltratado na sala de aula, passando a ter sempre negativa, independentemente daquilo que faça na aula a ir mais vezes para a rua ou simplesmente a não o deixarem entrar na aula, ficando à porta um tempinho e só entrando mais tarde que os colegas, vai-se lá saber porquê! Sei estas coisas porque os colegas me contam…
Então deixei de ir à escola, impotente e com a esperança que ele recuperasse o interesse que tinha tão grande em aprender. Sim, ele ADORAVA a escola, absorvia tudo…e era feliz lá.
Agora não é, tem sofrido humilhações e maus tratos psicológicos, situações graves que o têm afectado imenso, que o fazem sofrer e estar revoltado…perdeu a confiança e eu também.
Era suposto o meu filho estar em segurança dentro da escola, não ser vítima de ninguém, muito menos de professores!
Era suposto eu estar despreocupada e não ter necessidade de escrever esta carta à escola a pedir, como MÃE : POR FAVOR, NÂO MALTRATEM O MEU FILHO!!
Não o vou permitir mais, nunca o devia ter permitido! Mas como podia eu saber? Como podia eu imaginar sequer que um professor, neste caso até são mais iria discriminar desta forma o meu filho?
Então fala-se tanto de EDUCAÇÃO INCLUSIVA e estão a excluir o meu filho?
Apenas porque não o compreendem? Porque não sabiam lidar com a situação? Porque ele é diferente e dá mais “trabalho” que os outros?
O Professor de EVT dava-lhe sempre 2, agora passou para 1 ?!
Ele tem os trabalhos na pasta, eu até acho que estão muito bons tendo em conta a dificuldade que ele tem a nível de motricidade e destreza manual, que é típico em crianças com PHDA (hiperactividade com défice de atenção)…
1 é para quem não faz NADA! 1 é para lhe dizer tu não vales nada, para o desmotivar e lhe “destruir” a auto-estima! 1 é para o chumbar!
Não vou permitir…CHEGA! O ano passado foi igual com EVT e Musica, teve sempre 2 e no final do ano passou com 3! Para quê? Porque o maltrataram o ano todo para depois lhe darem o 3?
Nem merece nota pelo esforço? Por tentar? Até lhe deram negativa em trabalhos que fez comigo!
Considero isso um “ataque” ao meu filho e agora, depois de tantos relatórios e psicólogos, sim, porque o meu filho anda no psicólogo, eu ainda não desisti dele, nem vou desistir ao contrário do que estes professores fizeram, depois de toda esta caminhada venho a saber que afinal o meu filho sofre de maus tratos na escola?
Também fiquei a saber o nome do problema dele PHDA…afinal o meu filho não é um mal-educado, afinal e não sou “uma tonta que devia dar mais educação ao meu filho em vez de tanto mimo”, como disse a professora de Inglês/Português…
Afinal estávamos TODOS errados…também assumo a minha culpa, pois fiz muita asneira antes de descobrir o que passa com o meu filho, mas também fiz uma promessa: Vou fazer tudo o que me for possível para que ele volte a ser feliz na escola e a recuperar o gosto por aprender que ele tinha.
Mas para isso preciso de ajuda, não posso andar a medicar o meu filho e ir às consultas de psicologia se depois o continuarem a maltratar na escola.
Senhora professora de EVT: NÂO QUERO mais o meu filho na arrecadação a fazer cópias e tabuadas! De pé, encostado ao lavatório toda a aula? Quem lhe deu esse direito? E ainda foi dizer ao meu filho que quer marcar um dia para falarmos sobre o facto de a senhora achar que o meu filho não FAZ NADA nas aulas de EVT?
Ainda pretende assustá-lo mais? Porquê? Decidiu entrar em “guerra” com uma criança?
É ridículo…ele tem 11 anos e os professores supostamente são os adultos dentro da sala de aula e como tal devem ser os primeiros a dar o exemplo, a mostrarem valores…como podem exigir respeito de uma criança depois de o maltratarem e de o humilharem?
Se ele está a fazer cópias e tabuadas é normal que não faça trabalhos de EVT…Mas marque o dia que eu terei muito gosto em ir visitar a arrecadação para ver como a senhora teve a coragem de humilhar e descriminar o meu filho dessa forma! Uma professora? Se os professores de EVT não estão em condições psicológicas de dar aulas que metam baixa ou atestado e que fiquem o lugar disponível para professores interessados em ensinar!
Estes professores têm prejudicado a vida e a saúde do meu filho, ao ponto de ele vomitar e ter cólicas antes destas aulas!
Agora já têm um diagnóstico, agora cabe a vocês senhores professores decidirem se vão continuar a prejudicar o meu filho ou se aceitam que erraram, como eu também já aceitei. Se estão dispostos a começar de novo e a colaborarem na minha luta pela recuperação da felicidade e auto-estima do meu filho e ajudá-lo a acreditar que os professores não vão voltar a tratá-lo mal.
Apenas pretendo saber: o meu filho está realmente seguro na vossa escola? Acho que ele merece um pedido de desculpas por parte destes professores e merece ser avaliado correctamente e com justiça, pois existe muita diferença entre os “favoritos” e os “indesejados” e uma coisa eu garanto : não o vou permitir mais!
O meu filho merece uma avaliação justa e merece ser bem tratado dentro da escola e a partir do momento em que foram informados do diagnóstico dele tinham “obrigação moral” de olharem para as avaliações dele e verem o tão injustos que têm sido, tanto no desempenho escolar, como no comportamento, pois ele não está quieto porque não consegue mesmo, se bem que agora que está medicado e tenho a certeza que isso já está a mudar!
Tirem o rótulo ao meu filho de mal-educado, não o descriminem mais e por favor ajudem-me a faze-lo feliz e a voltar a acreditar que as pessoas erram, mas que também assumem que erraram e sabem pedir desculpa por isso…
Apenas quero agradecer à professora e directora de turma F. R., pois sei que nunca desistiu do A., ele respeita-a, confia em si e vê-a como uma amiga.
Agradecer também à Psicóloga P. P. que apesar de tanto trabalho tem sido o meu apoio.

Obrigada!